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Médico pode cobrar por falta do paciente?

Segunda-Feira, 24 de novembro de 2025

Entenda o que dizem o CFM, a lei e a parte tributária.

É permitido cobrar taxa por "no-show"? Entenda por que o CFM veda a prática, mas como um acordo prévio e a parte tributária correta podem ser a solução.

 

Resumo do artigo:

Em regra, o Art. 59 do Código de Ética Médica veda a cobrança por consulta não realizada. Contudo, é juridicamente possível pactuar uma compensação indenizatória pelo tempo bloqueado, desde que haja um acordo prévio, claro e por escrito. Entenda a diferença, os riscos éticos e a forma tributária correta (nota de débito) de aplicar essa política.

Imagine o seguinte cenário: o médico reserva um horário, prepara a estrutura do consultório, mantém sua equipe à disposição e… o paciente simplesmente não aparece. Nenhuma ligação, nenhuma mensagem, nenhum aviso.

Esse tipo de situação, infelizmente comum, é conhecido no meio médico como “no-show” — e causa prejuízos reais.

Mas afinal, é permitido cobrar uma taxa quando o paciente falta à consulta sem avisar?

A resposta é: não há autorização direta do Conselho Federal de Medicina (CFM), e a cobrança só é admitida se houver acordo prévio e escrito com o paciente, que seja transparente, proporcional e firmado com boa-fé.

 

O que é a taxa por não comparecimento e por que ela existe.

O termo “no-show” significa literalmente não comparecimento. Na prática, ocorre quando o paciente agenda, o consultório reserva aquele horário — e ele não aparece.

O resultado? Um tempo que poderia ser usado por outro paciente, uma equipe ociosa e uma conta que continua correndo.

Estudos apontam que, em clínicas particulares, até 30% dos agendamentos são perdidos por falta de comparecimento. Por isso, muitos profissionais passaram a discutir formas de compensar as ausências injustificadas.

 

O que dizem as normas do CFM:

O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018)é claro em seu artigo 59: é vedado ao médico aceitar remuneração ou vantagem por atendimentos não prestados.

O CFM já reforçou essa regra em pareceres e despachos, entendendo que não é ético cobrar qualquer taxa de consulta não realizada, por configurar “remuneração sem atendimento” — conduta proibida.

Entretanto, alguns Conselhos Regionais admitem exceção restrita: se houver acordo prévio, explícito e documentado entre o médico e o paciente, permitindo a retenção parcial de valor ou cobrança indenizatória pelo tempo bloqueado — sempre de forma proporcional e informada de antemão.

O Parecer CRMRS nº SEI-16/2024 reconheceu essa possibilidade, desde que a cláusula esteja formalizada e haja transparência. Ele destaca que o pagamento não pode ser por “atendimento não prestado”, mas pode ser entendido como compensação pelo tempo à disposição do paciente.

Da mesma forma, o Parecer CRM-MG nº 163/2016 reafirma que a cobrança direta ao paciente é, em regra, antiética, mas poderia ser discutida apenas com planos de saúde em casos de ausência injustificada e comprovada.

Portanto, o entendimento ético predominante é que a cobrança só é aceitável quando o paciente foi previamente informado e concordou expressamente, com antecedência mínima razoável.

 

A base jurídica: Código Civil e CDC

A relação médico-paciente é contratual e se enquadra nas normas do Código Civil (arts. 421 e 422) e do Código de Defesa do Consumidor ( CDC), que garantem boa-fé e autonomia da vontade.

Assim, não há ilegalidade civil na pactuação prévia, desde que não contrarie o Código de Ética Médica e preserve o direito do consumidor ao cancelamento gratuito dentro de prazo razoável (24 a 48 horas, em geral).

 

Como aplicar de forma ética e segura

  • Informe no agendamento (WhatsApp, site, recepção) que há política de cancelamento e prazo limite.
  • Formalize em contrato ou termo de consentimento prévio.
  • Defina valor proporcional, apenas para cobrir custos mínimos.
  • Evite expressões como “taxa de não comparecimento” — use “indenização por bloqueio de horário” ou “reserva de agenda”.
  • Permita cancelamento sem custo quando houver aviso prévio dentro do prazo.

Um exemplo de cláusula válida:

“Em caso de não comparecimento à consulta sem aviso prévio mínimo de 24 horas, poderá ser cobrada indenização correspondente ao tempo bloqueado na agenda, mediante prévio conhecimento e consentimento do paciente.”

 

Aspectos Tributários:

Aqui está o ponto em que muitos erram.

A cobrança, quando houver, não configura honorário médico, pois o serviço não foi prestado.

Assim, não incide ISS, conforme o art. 1º da LC 116/2003, que tributa apenas serviços efetivamente realizados.

Contudo, há detalhes importantes:

No Lucro Presumido ou Real: Deve ser registrada como “outras receitas operacionais” (sujeita a IRPJ e CSLL, mas sem ISS).

No Simples Nacional: Deve-se evitar emissão de nota fiscal de serviço — recomenda-se nota de débito específica e registro contátil separado.

 

Conclusão:

Prevenção é a Chave.

O médico não pode cobrar automaticamente uma taxa por falta do paciente. Porém, pode pactuar previamente uma compensação proporcional e transparente, desde que o paciente consinta expressamente.

Sem esse acordo, a cobrança é eticamente vedada pelo artigo 59 do Código de Ética Médica.

Formalizar políticas claras de agendamento e cancelamento é a melhor forma de proteger o tempo do médico e manter a relação profissional ética, segura e respeitosa.

 

Paulo Roberto Tramontini