PLANOS DE SAÚDE DEVEM GARANTIR O TRATAMENTO MÉDICO MAIS BENÉFICO AO PACIENTE - Por Paulo Roberto Tramontini
Sexta-Feira, 09 de maio de 2025
Plano de saúde tem que cobrir tratamento indicado pelo médico se a doença está prevista no contrato.
A relação entre os usuários e as operadoras de planos de saúde é frequentemente marcada por conflitos relacionados à cobertura de tratamentos. Um dos temas recorrentes envolve a recusa de planos de saúde em autorizar tratamentos modernos e inovadores, mesmo quando estes são recomendados pelo médico assistente, com base na alegação de que tratamentos convencionais já estão disponíveis e devem ser priorizados.
O DIREITO À SAÚDE E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O direito à saúde é garantido pela Constituição Federal de 1988, configurando-se como um direito fundamental que deve ser assegurado por meio de políticas públicas e também pelo setor privado, incluindo os planos de saúde. Além disso, o princípio da dignidade da pessoa humana reforça a necessidade de que o tratamento médico mais adequado ao paciente seja assegurado, especialmente em situações em que sua vida ou qualidade de vida estão em risco.
A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
Os contratos firmados entre usuários e operadoras de saúde não podem ser analisados apenas sob a ótica da relação contratual privada.
A função social desses contratos impõe que as cláusulas sejam interpretadas à luz do interesse maior: a saúde e o bem-estar do paciente.
Assim, limitar o acesso ao tratamento mais eficaz em prol de alternativas menos modernas pode ser considerado uma violação da função social do contrato, além de uma prática abusiva.
A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado entendimento no sentido de que os planos de saúde não podem impor restrições que coloquem em risco a saúde do paciente. Em diversos julgados, a Corte reconheceu que a negativa de cobertura de tratamentos médicos mais modernos e indicados por médicos especialistas configura abusividade. Segundo o STJ, as operadoras de saúde devem cobrir tratamentos que sejam considerados necessários para o enfrentamento de enfermidades, conforme prescrição médica, ainda que estes tratamentos não sejam os mais econômicos.
CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE COM ESTENOSE AÓRTICA GRAVE. IMPLANTE DE VÁLVULA AÓRTICA TRANSCATETER. INCORPORAÇÃO AO ROL DA ANS. SÚMULA 83 DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A ausência de enfrentamento da questão objeto da controvérsia pelo Tribunal de origem impede o acesso à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constitucional do prequestionamento, nos termos da Súmula 282 do STF, aplicável por analogia. 2. A Segunda Seção do STJ, ao julgar os EREsps 1.889.704/SP e 1.886.929/SP, concluiu pela possibilidade de custeio de tratamento não constante no rol da ANS, nos seguintes termos: "4 - não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como CONITEC e NATJUS) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS". 3. No presente caso, a Corte de origem reconheceu a situação de urgência, apta a caracterizar a necessidade de implante de válvula aórtica transcateter, uma vez que o paciente, de 83 anos à época, com quadro clínico de estenose aórtica grave, com síncope e embolia pulmonar prévia, apresenta alto risco de vida para o tratamento convencional. Incidência da Súmula 83 do STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. ( AgInt no REsp n. 2.046.730/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 11/3/2024.)
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO EXPERIMENTAL. COBERTURA DE TRATAMENTO DOENÇA. PROCEDIMENTO INCLUÍDO. 1. As operadoras de planos de saúde podem, por expressa disposição contratual, restringir as enfermidades a serem cobertas, mas não podem limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive os medicamentos experimentais. Precedentes. 2. Inviabilidade de acolher as alegações da parte agravante de existir tratamento convencional eficaz, ao contrário do que pontua o acórdão recorrido, no sentido de que o próprio médico credenciado pelo plano de saúde o determinou, por demandar nova análise de contexto fático-probatório. Incidência da súmula 7/STJ. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 1.014.782/AC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/8/2017, DJe de 28/8/2017.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO E AGRAVO INTERNO. JULGAMENTO CONJUNTO. PLANO DE SAÚDE. Recurso contra a decisão que deferiu a tutela de urgência para imputar à operadora de saúde o custeio da cirurgia ressecção tumoral e reconstrução com endoprótese não convencional sob medida em 3D, importada da Alemanha, da empresa Ortospine. Presença dos requisitos do artigo 300 do Código de Processo Civil. A operadora inicialmente autorizou o procedimento e a prótese foi fabricada, porém, posteriormente, revogou a autorização e decidiu submeter o caso a uma Junta Médica, cujo parecer foi desfavorável ao paciente. Deve prevalecer a prescrição do profissional assistente que acompanha o beneficiário do plano de saúde, sendo certo que as divergências entre a conclusão da junta médica e as prescrições do cirurgião assistente poderão ser avaliadas em eventual fase instrutória. Agravo de instrumento desprovido, prejudicado o agravo interno. (TJSP; Agravo Interno Cível 2039715-44.2025.8.26.0000; Relator (a): Alberto Gosson; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Tremembé - 1ª Vara; Data do Julgamento: 15/04/2025; Data de Registro: 17/04/2025)
A PRÁTICA DE "ESCALONAMENTO DE TRATAMENTO"
Uma prática comum entre algumas operadoras de planos de saúde é a imposição de um "escalonamento de tratamento", no qual o paciente é obrigado a passar primeiro por um tratamento convencional antes de ter acesso a uma terapia mais moderna. Esse comportamento, além de desconsiderar a individualidade do caso clínico e a autonomia do médico assistente, pode atrasar o início de um tratamento efetivo, comprometendo o resultado e colocando em risco a saúde do paciente.
O PAPEL DA PRESCRIÇÃO MÉDICA
A prescrição médica é um elemento essencial e deve prevalecer em situações de conflito. O médico assistente, que acompanha o paciente de perto e possui conhecimento detalhado do quadro clínico, está em posição de indicar o tratamento mais adequado. A negativa de cobertura com base em critérios puramente econômicos desconsidera a expertise médica e pode acarretar prejuízos irreversíveis para o paciente.
CONCLUSÃO
Os planos de saúde têm a obrigação de garantir o acesso ao tratamento médico mais benéfico ao paciente, independentemente de custo. A saúde é um direito fundamental, e a economia financeira das operadoras não pode se sobrepor ao bem-estar e à dignidade dos pacientes. Quando houver negativa de cobertura, é fundamental que o beneficiário busque amparo na legislação vigente e, se necessário, no Poder Judiciário, para assegurar seus direitos e garantir o tratamento mais adequado para sua condição.
Por Paulo Roberto Tramontini - Advogado Especialista em Direito do Trabalho e Empresarial - OAB/RS 18.341